domingo, 6 de julho de 2014

A carta

Romilda

Todo dia, quando o carteiro passava, ela dizia a si mesma: “dez longos anos que meu filho foi para a guerra e, no começo, me mandava uma carta por semana e, depois, uma por mês e, por fim, cessou a remessa de notícias”. Ela murmurava baixinho, seria muito bom se Fernando mandasse notícias.
No começo, virou obsessão: todos os dias, na hora do carteiro passar, ela ficava no portão esperando notícias que nunca chegavam! Com o passar do tempo, o velho carteiro só provocava lembranças na velha dona Joana. Há mais de oito anos que a guerra havia acabado, nem no quartel davam notícias concretas sobre ele, apenas diziam: “notas de morte não há; para nós, ele está desaparecido em combate”. E assim o tempo foi passando, a pobre Joana dizia: “pelo menos ele está vivo”.
Os meses passando e, no dia de seu aniversário de 60 anos, seus vizinhos e amigos fizeram uma pequena festa, pois queriam lhe atenuar as lembranças e saudades. Quando acenderam as velinhas e começaram a cantar parabéns, ela se preparando para apagar as velas e fazer o costumeiro pedido, ouviu-se a campainha da porta. Alguém foi atender e voltou dizendo: “é pra você, Joana”. Ela foi atender um tanto aflita, pois seu coração estava apertado, algo havia acontecido. E qual não foi sua surpresa ao ver o velho carteiro com uma carta na mão. Ela tremendo pegou a carta e logo reconheceu a letra de seu filho, seu amado filho. Se alguém não a amparasse, ela teria caído. Trouxeram-lhe água. Ainda pálida, sentou-se na sala e, rodeada pelos amigos, abriu o envelope. Logo leu as palavras: “te amo, minha querida mãe”. Joana não conseguiu continuar pois a emoção era demais, era um misto de surpresa e alegria. Era demais para seu sofrido coração a emoção transmitida por aquela missiva almejada por tantos anos. Eram tantas perguntas borbulhando na sua cabeça. Como estaria o filho hoje, pois quando partiu era jovem e na flor da idade. Pediu à amiga Bia que lesse a carta. Atenta ao que o filho contava, ela escutava aterrorizada. Dizia ele:
“No final da guerra, quando o batalhão se retirava, alguém bateu em uma mina, que explodiu. Muitos do pelotão pereceram, outros foram para o hospital, e eu, com a explosão, fui jogado longe, no meio da mata, pois estávamos andando em uma trilha que nos levaria à estação de trem onde iríamos fazer a retirada. Com o impacto, fui lançado mais além do lugar do ocorrido e, com tantos feridos e mortos, não deram pela minha falta
No outro dia, um colono me encontrou quase morto, me levou para casa, e sua esposa e filha cuidaram dos ferimentos até que fiquei bom, porém sem memória. Tornei-me o braço direito do colono de arroz e trabalhei por cinco anos. Apaixonado pela sua filha, casei-me com ela, e temos um menino de três anos.
Há uns dois meses, eu tive uma queda de cima do telhado e fiquei desacordado. Quando acordei, a primeira coisa que lembrei foi da senhora, minha mãe. E, desde então, só penso em você e em como chegar ai pois, apesar de ter casado com a filha do colono, eu sempre fui tratado como servo, pois as famílias asiáticas são muito severas. Como o meu estado não foi tratado e perdurasse por anos, ate que fui me recuperando, mas ainda lembranças vagas.
Enfim, há males que vêm pra o bem: com a minha queda, recuperei toda a memória e logo fui ao consulado de nosso país, onde, a contragosto do meu sogro, consegui passaporte para mim, esposa e filho. Logo estaremos aí para te abraçar e te pedir perdão pelo sofrimento que te ocasionei, embora involuntário.
Te amo, te amo, minha mãe. Logo vais conhecer teu netinho de olhos puxados, e te prometo que ficaremos jutos sempre.
Teu filho, Fernando”. 


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